Nesta semana temos o primeiro artigo desta nova coluna. Nesta colocarei artigos e matérias escritas por profissionais gabaritados e que tem a minha confiança e que serão úteis para os estudantes e apreciadores de música.
E para começar nada melhor que uma resenha escrita pelo sensacional Luiz Domingues. Esta resenha e outras matérias maravilhosas podem ser encontradas nos blogs do Luiz. Segue abaixo o link deste artigo e os links dos blogs.
Um breve release do Luiz feito pelo próprio:
Sou músico e escrevo matérias para diversos Blogs. Aqui neste Blog particular, reúno minha produção geral e divulgo minhas atividades musicais. Como músico, iniciei minha carreira em 1976, tendo tocado em diversas bandas. Atualmente, estou atuando com Os Kurandeiros.
Então vamos a resenha:
A Estação da Luz - Por Luiz Domingues
Quem me conhece bem, sabe que a minha trajetória musical nem sempre permeou-se pelo som que eu realmente queria fazer. Mas sem divagações, apenas abro esse preâmbulo para esclarecer que eu iniciei minha carreira em 1976, portanto, no início de um declínio acentuado para a estética artística que gostava e daí, atravessei os anos oitenta e noventa, fazendo o melhor que podia, mas vivendo em meio à estéticas antagônicas e de certa forma hostis as coisas que amo.
Em 1997, resolvi dar uma guinada na carreira e fundei uma banda 100% calcada na estética sessenta/setenta e fui atrás do meu sonho, mesmo cônscio de que seria um trabalho anacrônico. Desse esforço, essa banda acabou fundindo-se à outra que já tinha um nome solidificado na história do Rock brasileiro e com esse material retrô de muita qualidade, gravamos cinco discos e fizemos inúmeros shows.
Excursionando pelo interior de São Paulo e pelos três estados do Sul, principalmente, conhecemos muitos jovens que encantavam-se por essa estética resgatada. Eram ecos Woodstockianos, alimentados por jovens que nasceram muitos anos depois dessa Era Aquariana do Rock. Nesses termos, conhecemos jovens músicos e muitas vezes, tivemos o prazer de ter nossos shows abertos por bandas jovens, dessa característica.
Entre tantas (muito bacanas) , conhecemos uma de São José Rio Preto, em 2001, que abriu nosso show em Mirassol, uma cidade vizinha, e que se chamava "Hare".
Lembro-me de ter ficado muito impressionado com esse trio, que tinha um som bastante influenciado por Power-Trios clássicos como "Cream"; "West, Bruce and Laing"; "Jimi Hendrix Experience" entre outros. Com visual de Rockers sessenta-setentistas, os caras vibravam nessa egrégora, e eu fiquei muito contente por conhecê-los e fiquei amigo principalmente do baterista, Junior Muelas.
Em outras ocasiões, encontramos com o "Hare" novamente, mas a banda passou por uma turbulência e encerrou atividades. Rapidamente, o baterista Junior Muelas uniu-se à outros músicos e formou uma nova banda, chamada "Freak". Acompanhei os esforços iniciais do "Freak", que chegou a gravar uma fita demo, com algumas músicas. Mas os ventos não sopraram favoravelmente e a banda não teve a continuidade que esperávamos.
Já passava da metade da década inicial do novo século e o Junior Muelas contou-me que estava com um novo projeto. Seria uma banda de formação maior, com uma abrangência sonora de horizonte mais largo, abraçando também a psicodelia sessentista e flertando com o Rock progressivo.
Batizada de "A Estação da Luz", mergulhava fundo no sonho hippie perdido, evocando sonoridades e estética visual-comportamental, fidedigna à época. Mesmo sem conhecer o trabalho, já encantei-me com a perspectiva, pela estética, mas também por saber que Junior Muelas havia arregimentado um time de primeira qualidade. Sendo ele um exímio baterista, ao contar com o baixo de Sandro Delgado (Ex- Hare) e a guitarra de Christiano Carvalho, dois excelentes instrumentistas, a qualidade estava assegurada. Mas indo além, haveria também a presença de Alberto Sabella, um tecladista à moda antiga, ou seja, um verdadeiro piloto dos teclados, capaz de compor, arranjar e executar com maestria, diversos teclados, com timbres retrô fidedignos, mesmo porque, ao contrário dos tecladistas modernos, ele raramente usa simuladores, mas dá-se ao luxo de tocar em teclados vintage. Fora o fato de que é um multi-instrumentista, com domínio perfeito de bateria e baixo, também...
O percussionista Daniel Verlotta também foi incorporado e ficou responsável pelo molho extra, proporcionado pelas congas e afins. Para os vocais, Muelas recrutou um casal. Renata Ortunho e Fernando Martins comandariam as vozes, fora os demais que contribuiriam (e bem), com os backing vocais. Lembro-me de Muelas me dizendo que com essa dupla, tinham em mãos um verdadeiro "Jefferson Airplane", fazendo alusão à presença de Grace Slick e Marty Balin, o casal de vocalistas dessa grande banda psicodélica americana.
Algum tempo depois, fiquei sabendo que estavam gravando uma primeira demo-tape e logo a seguir, saiu o primeiro vídeo-clip oficial.
Fiquei encantado com a estética que simulava os antigos promos do programa "Beat Club". A banda tocando e no Chroma Key, cores ultra psicodélicas. Era a música "Par Perfeito", trazendo ecos dos "Beatles", "Mutantes", "Jefferson Airplane", "Iron Butterfly" e outras influências sessentistas adoráveis.
A banda passou por uma reformulação a seguir. Saiu o baixista Sandro Delgado e foi substituído por Vagner Siqueira (ex-Freak). Vagner é um excepcional baixista e encaixou-se como uma luva na banda. Saíram também o vocalista Fernando Martins e o percussionista Daniel Verlotta e dessa forma, a banda optou por não substituí-los, tornando-se doravante, um quinteto. Mais enxuta, não perdeu qualidade, de forma alguma, pois Renata Ortunho garantiu-se como frontwoman, e a rapaziada segurou o rojão dos backing vocais, direitinho.
Em 2009, minha banda, "Pedra", foi tocar em dois shows no interior de São Paulo e tivemos o prazer de dividir ambos, com "A Estação da Luz".
Foram duas agradáveis noites, uma em São José do Rio Preto e outra em Ribeirão Preto. Foi como estar em 1968, e dividir a noite com o "Grateful Dead" no Fillmore West, tamanha a vibe legal no palco, coxia e no camarim.
Shows e mais shows pelo interior de São Paulo, Minas e Paraná, foram sedimentando a banda, mas um dos seus grandes momentos aconteceu em Santa Catarina, onde fizeram enorme sucesso no Festival Psicodália.
O grande público mainstream talvez não saiba, mas esse festival anual reúne no interior de Santa Catarina, um enorme público de jovens sedentos por som 60/70 e muitas bandas dessas características se apresentam lá, perante até 15 mil neo-hippies, evocando Woodstock em pleno século XXI.
Em 2012, finalmente saiu o primeiro CD oficial da banda. Com o apoio do selo carioca, "Som Interior" (da gravadora Renaissance, do farejador de talentos, Claudio Fonzi), a bolacha física pode ser adquirida nos shows da banda, em seu site e lojas descoladas do circuito São Paulo-Rio.
Com capa muito caprichada e qualidade sonora muito boa, "A Estação da Luz" apresenta nove faixas de muita inspiração, com absoluta fidedignidade de timbres vintage; arranjos elaborados; harmonias vocais sofisticadas e performance instrumental de cada membro, excelente.
Logo na primeira faixa, a banda demonstra ter influências muito nobres. É claro na música "Desconforto", a influência do "Som Imaginário", "Som Nosso de Cada Dia" e "Mutantes". A condução do piano elétrico de Sabella é magnífica. Os vocais ultra-sessentistas, lembram Marcos Valle em sua fase Soul e o solo de Christiano Carvalho, apesar de curto, é de rasgar o verbo.
A seguir, ouvimos "O Fim".
Trata-se de uma "Beatle song", com uma belíssima melodia. Sabella e Carvalho fazem um belo trabalho de contraponto de teclados e guitarra. Sobra feeling numa canção que apresenta uma vocalização final que gruda na cabeça, e lembra muito o trabalho de bandas como "Small Faces"; "The Associaton"; "The Kinks", além do "Uriah Heep".
A terceira faixa, "Siga o Sol", é bem setentista. Tem nítida influência do trabalho dos "Mutantes" na sua fase Prog, além de "O Terço"; "A Bolha" etc. A linha de baixo de Vagner Siqueira chama a atenção pela sua beleza, além da vocalização de Renata Ortunho. Gosto muito do caráter quase de mantra, num looping hipnótico, sob o som do órgão Hammond, evocando o "Pink Floyd".
"Desespero" fala sobre desencontros sentimentais, envolta numa harmonia belíssima de teor melancólica. O peso dos teclados exerce uma dramaticidade que lembra-me muito o estilo do Ken Hensley e o slide mesclado ao wah-wah, que Carvalho criou, ficou incrível.
"Esperto ao Contrário", certamente tem influência dos "Mutantes". Com clima de Vaudeville, é cantada por Sabella em sua parte A. Os teclados passeiam por timbres dignos do Billy Preston e a condução de Muelas à bateria é sensacional.
A sexta faixa, "Tempo Estranho", é uma verdadeira ode ao Rock Brasileiro dos anos sessenta e setenta. A letra da música é toda costurada para enumerar o nome de várias bandas dessas décadas e a sonoridade, além de trazer a influência óbvia dos "Mutantes", tem bastante do "Clube da Esquina", também. Gosto muito da participação do Carvalho, com dedilhados limpos, mesclados ao uso de caixa leslie em outros momentos.
"Reta Tangente", é mais uma bonita balada com sabor sixtie. É como pegar um disco antigo da Gal Costa e suspirar ao constatar como era legal...
O solo de Carvalho lembra George Harrison em seus melhores momentos, além do órgão Hammond dar um peso incrível à canção, em seu momento mais agudo.
"Canção para um amigo", apresenta uma melodia muito elaborada, sob a ação de um piano elétrico lúgubre, ao estilo do "Led Zeppelin" em "No Quarter". Timbres de Moog e Theremin, trazem elementos psicodélicos muito interessantes, e na parte mais pesada da música, a harmonia lembrou-me o "Procol Harum", incluso o ótimo uso de clavinete na parte final.
Encerra o disco, a ótima "Par Perfeito". Com um mellotron que lembra bastante os "Beatles" em "Strawberry Fields Forever", a música parece ser uma balada, mas logo a seguir seu rítmo muda, e com muita vibração, a banda entra numa jam, com destaque para a cozinha espetacular de Muelas e Siqueira. O refrão pesado, que lembra o "Deep Purple" em seus melhores momentos, cresce e emociona.
Olhando o vídeo dessa música no You Tube, vi vários comentários efusivos, e um que se não era irônico, talvez tenha sido infeliz na sua formulação. O sujeito dizia algo do tipo : "Faltou o Lennon, mas não era mesmo Strawberry Fields Forever..."
Pegando esse gancho, a proposta de "A Estação da Luz" é ser mesmo uma banda retrô, sem preocupações com os modismos do mainstream.
Se por um lado é uma aposta arriscadíssima e quase um haraquiri mercadológico, por outro, eu vejo com extrema simpatia que exista uma banda dessas no panorama artístico, pois o que se vê no mainstream é tenebroso e anacronismo à parte, o pessoal da "Estação" dá um show de musicalidade; inspiração; execução e nos timbres em que investem, passando como um rolo compressor sobre qualquer banda moderninha, dessas que a crítica adora "hypar".
Recomendo a audição desse trabalho e certamente assisti-los ao vivo, pois a competência dessa turma, é de 100%.
Visite o site deles :
É isso aí pessoal. Espero que curtam esta resenha do Luiz e principalmente, conheçam o trabalho desta banda. Abraços e até a próxima coluna!
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